Neste Jubileu das Equipas Sinodais, que reúne em Roma peregrinos da esperança, ouve-se com particular força o apelo a aprofundar o caminho de uma Igreja sinodal. Num mundo sedento de maior fraternidade, a Igreja oferece o seu testemunho de caminhar em conjunto, escutando o Espírito e discernindo os passos a dar. Esta primeira reflexão debruça-se sobre as intervenções que abriram os trabalhos na manhã do dia 24 de outubro, partilhadas pelo Cardeal Grzegorz Ryś, pelo Padre e Professor Miguel de Salis Amaral e pela Dra. Mariana Aparecida Venâncio. As suas palavras ofereceram-nos diferentes perspetivas sobre a sinodalidade como profecia, a necessária conversão das relações e as tensões inerentes a este caminho eclesial. Tão breve quanto possível, partilharemos uma segunda reflexão dedicada ao encontro-diálogo com o Papa Leão XIV, que marcou a tarde deste primeiro dia.
Nesta senda de aprofundamento, Mariana Venâncio iluminou-nos com a visão da sinodalidade como “profecia social”. Longe de ser um mero exercício interno, a forma como a Igreja vive e age (o seu caminhar conjunto) torna-se um “estandarte elevado entre as nações”. A conferencista sublinhou que a prática de uma escuta atenta, generosa e vulnerável, que valoriza cada voz, sobretudo a dos marginalizados, e a redescoberta da comunidade como espaço de segurança e partilha, constituem um poderoso testemunho profético. Numa sociedade marcada pelo individualismo e pela cultura do descarte, esta vivência comunitária, que brota da escuta do Espírito e se traduz no compromisso com a vida fragilizada, é já, em si mesma, um ato transformador e gerador de esperança.
Aprofundando esta visão, Miguel de Salis Amaral focou-se na dimensão crucial da “conversão das relações”. Não se trata de um mero apelo sentimental a “gostar uns dos outros”, mas de radicar as nossas interações na estrutura relacional que o próprio Deus tece na Igreja através dos sacramentos. O Batismo, explicou, funda uma fraternidade essencial entre todos, base da corresponsabilidade na missão comum. O Sacramento da Ordem, por sua vez, não estabelece uma hierarquia de poder, mas um serviço específico orientado ao crescimento de todo o Povo de Deus, numa lógica de “orientação recíproca” entre o sacerdócio comum e o sacerdócio ministerial. Neste contexto, é necessário compreender a Igreja não apenas como uma organização, mas como um tecido vivo de relações queridas por Deus, onde ninguém é autossuficiente. Este entendimento, por sua vez, oferece luz capaz de superar lógicas de domínio e de construir uma sociedade mais empática, bonita e fraterna.
Contudo, este caminho não é linear nem isento de dificuldades. O Cardeal Grzegorz Ryś abordou com frontalidade as tensões inerentes ao caminho sinodal. A tensão entre o personalismo exacerbado (o “eu”) e a dinâmica comunitária (o “nós”); a tentação de confundir a unidade autêntica, que valoriza a diversidade como riqueza (harmonia), com uma uniformidade imposta que a anula (que não é mais do que uma ofensa contra Deus, a Igreja e a pessoa); e a tensão entre a necessária preservação da identidade eclesial e o impulso missionário de sair ao encontro de todos, sem exceção (“Todos, todos, todos!”). O Cardeal polaco foi claro: estas tensões não se resolvem com meras reformas estruturais, mas exigem uma profunda “conversão” pessoal e comunitária, um “morrer” para o orgulho, o abuso de poder e o medo, para abraçar a vida nova do Ressuscitado no Espírito de amor. Só assim a Igreja poderá ser fermento de reconciliação.
Estas três reflexões, embora partindo de ângulos distintos, convergem num apelo forte à esperança. A sinodalidade, vivida autenticamente como escuta mútua e do Espírito, como conversão das relações e como serviço humilde à missão, não é uma teoria distante, mas um caminho concreto. Uma Igreja que aprende a caminhar com os outros, a curar as suas feridas e a colocar-se ao serviço da vida, torna-se um farol de esperança num mundo que anseia por paz, justiça e fraternidade. O convite é, pois, a entender e viver a sinodalidade como um estilo de vida. Cremos que é este o desafio lançado neste Jubileu: deixarmo-nos transformar por este dinamismo sinodal, para sermos, todos e cada um, a levedura paciente e eficaz que faz fermentar a massa de um futuro mais justo e reconciliado.
Roma, 26 de Outubro de 2025
Equipa Sinodal da Conferência Episcopal Portuguesa

Portugal esteve presente com uma delegação de 27 pessoas, nomeadamente os membros da equipa sinodal da Conferência Episcopal Portuguesa e representantes de 9 dioceses: Angra, Aveiro, Beja, Évora, Funchal, Leiria-Fátima, Lisboa, Setúbal e Viseu. Entre os participantes estiveram leigos, padres, diáconos, consagradas e um bispo, D. António Luciano.
