Palavras de Abertura da 209.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa

 Fátima, 08-04-2024

Senhor Núncio Apostólico, Senhores Cardeais, Arcebispos, Bispos, e convidados da CIRP e da CNISP. A todos saúdo e dou as boas-vindas à 209.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa. Saúdo, igualmente, os profissionais dos órgãos de comunicação social que nos acompanham no início dos trabalhos.

Reunimo-nos em Assembleia Plenária no tempo que a Igreja dedica à celebração da Páscoa da Ressurreição do Senhor Jesus, que nos leva a olhar a realidade que nos rodeia, nos dinamismos de injustiça e sofrimento, de destruição e morte que a ensombram, mas igualmente na abertura e desafio à necessária renovação e transformação da vida, das relações e da esperança.

 

Novo Bispo de Beja

É nesta alegria pascal que quero saudar, de forma especial, D. Fernando Maio de Paiva, bispo eleito de Beja, que participa pela primeira vez neste colégio episcopal. Dirijo também uma palavra de fraterna gratidão a D. José João dos Santos Marcos, que serviu a Diocese de Beja ao longo dos últimos dez anos e que continuará a administrá-la até à tomada de posse do novo Bispo. Bem-haja, caro D. João, pelo seu serviço fiel e dedicado ao Povo de Deus!

 

Os dramas da guerra

Em tempo de Páscoa, que alude a renovação e a vida, não podemos, infelizmente, fechar os olhos aos dramas da guerra, com as suas sequelas de horror, barbárie e destruição que ensombram o panorama mundial, causando sofrimentos inauditos a milhões de pessoas e pondo despudoradamente a nu a crueldade visada de matar, abusar e fazer reféns pessoas inocentes ou, em resposta, devastar sistematicamente as possibilidades elementares de vida de populações inteiras, reduzindo-as à mais indescritível miséria. A destruição programada das habitações, escolas e hospitais, o impedimento da ajuda internacional e, pior ainda, a eliminação daqueles que procuram acudir a tamanha selvajaria são atos de barbárie inaceitável, mesmo em tempos de guerra. É o que se passa em Gaza, nas cidades da Ucrânia e igualmente em muitas outras guerras, que já nem são notícia, como no Iémen, na Síria, no Sudão, no Congo e em tantos outros países. Como tem repetido o Papa Francisco, a guerra nunca é solução e leva apenas à destruição, ao sofrimento e à morte, semeando ódios que permanecerão por muitas gerações. É por isso que se torna necessário aderir à manhã nova da ressurreição, com pressupostos novos para construir um mundo mais humano. E não nos podemos dispensar desta tarefa primordial de construção da paz.

 

50 anos da Revolução do 25 de Abril

Neste contexto, celebrar Abril, com os seus ideais de desarmar a guerra, a opressão e a ditadura e de revigorar valores civilizacionais que marcam a História de Portugal desde 1974, constitui uma gratificante ocasião de renovação e de afirmação dos valores que devem marcar o presente e o futuro. A imagem emblemática dos cravos no cano das armas ilustra a festa da liberdade, da vida e da esperança que marcou e continua viva no património identitário do nosso povo. Foi possível instaurar, progressivamente, a justiça social, fomentar o desenvolvimento em tantos lugares e devolver dignidade à vida de tantas mulheres e tantos homens.

É claro que a realização dos sonhos de Abril deve ser justamente celebrada pelas muitas conquistas alcançadas, mas há igualmente que reconhecer que muito há ainda por fazer, a fim de que os fundamentos da democracia não sejam postos em causa, seja pela desilusão e apatia de quem vê a deficiente solução de problemas ligados a dimensões básicas como a educação, a saúde e a habitação, seja pela manipulação irresponsável do justo descontentamento e do protesto.

Nas comemorações dos cinquenta anos da Revolução do 25 de Abril, que coincidem com um período de generalizada consulta pública, é bom constatar o bom funcionamento da democracia no nosso país, que permite buscar soluções de futuro através da consulta aos cidadãos sobre a diversidade de propostas políticas dos diversos partidos. Por outro lado, os cidadãos têm o direito de esperar que aqueles que são eleitos, sem pôr em causa as legítimas diferenças de análises e de propostas, saibam encontrar soluções concretas justas e viáveis, para acudir à gravidade dos problemas, colocando o bem dos cidadãos e do país acima de interesses partidários ou corporativos a fim de encontrar consensos ao serviço do bem comum e de um futuro melhor para todos.

A Revolução de Abril permitiu que Portugal saísse do isolamento do “orgulhosamente sós”, para se abrir à comunidade internacional, a começar pela ativa participação no contexto europeu em que nos integramos. Essa abertura – ou retorno! – já se realizou sem pretensões de império ou de domínio, mas inserindo-nos ativamente num relacionamento com os outros povos e culturas marcado por valores universais. Como indica o Papa Francisco, “a fraternidade não é resultado apenas de situações onde se respeitam as liberdades individuais, nem mesmo da prática duma certa equidade” (Fratelli Tutti, 103), pois “todo o ser humano tem direito de viver com dignidade e desenvolver-se integralmente, e nenhum país lhe pode negar este direito fundamental.” (Ibidem, 107). É bom ver que o ideal de Abril nos deu a possibilidade de sermos um parceiro ativo e apreciado na busca de soluções humanizadoras para o presente e o futuro do nosso planeta e da humanidade que o habita.

Mercê dessa abertura, deixámos de ser apenas capazes de emigrar, em fuga, para outros países, buscando melhores condições de vida e dando também um precioso contributo à vida económica e social de países de destino. Somos hoje também um país de acolhimento, com uma crescente percentagem de pessoas oriundas de todo o mundo, que vêm com os mesmos objetivos com que os nossos compatriotas partiram. É importante velar para que sejamos capazes de criar condições justas, dignas e capazes de assegurar a fraternidade, a paz e o sucesso desse futuro. Sabemos que o nosso país precisa destas pessoas e que pode igualmente proporcionar-lhes um bom futuro, na capacidade de integração que tem o nosso povo. Esse deve ser um desafio bem em linha com os ideais universais de Abril, que pode e deve ser um nobre objetivo do Estado e de todas as instituições e cidadãos.

 

Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis

Em Portugal e em muitos outros países, a questão dos abusos de menores e adultos em situação de vulnerabilidade e, de um modo concreto, as vítimas de padres ou de leigos ao serviço da Igreja, tem sido motivo de grande preocupação, de atenção às vítimas de tão condenáveis atitudes, bem como de criação de meios que permitam conhecer a realidade e prevenir a sua repetição.

Na Igreja em Portugal foram criadas estruturas específicas para este fim, nas dioceses, com as Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, e a nível do país, com a Equipa de Coordenação Nacional e o Grupo VITA. Esta rede tem dado passos significativos no sentido de encontrar a forma mais correta para continuar a escutar qualquer pessoa que precise de falar sobre um abuso que sofreu, bem como na organização do necessário apoio psicológico e psiquiátrico adequado. Além da capacitação específica dos profissionais que proporcionam o apoio clínico, centenas de pessoas estão a ser capacitadas para saber prevenir, sinalizar, alertar e denunciar eventuais novos casos de abuso em todo o país. Este trabalho irá prosseguir de forma regular e generalizada, como forma concreta de acompanhar o pedido reiterado de perdão que comporta o reconhecimento do mal perpetrado e sofrido, a possível reparação das feridas e a prevenção, para que estes dramáticos sofrimentos não se repitam.

Desde o início deste programa se levantou a questão de uma “reparação” ou “compensação monetária”, que possa ser requerida pelas pessoas que foram vítimas de tais abusos, como forma de justo contributo na superação do mal que lhes foi injustamente causado. Tem-se evitado ligar diretamente esta forma de agir com o conceito de “indemnização” ditada por um tribunal.

O que se encontra agora em estudo, na presente Assembleia da CEP, é uma reparação financeira que reconheça a dor de quem sobreviveu a estes abusos e às consequências que teve de suportar, e que coopere para que essas pessoas possam ter uma vida mais livre, digna e devidamente reconhecida. Sobre esta questão, foram pedidos vários pareceres a entidades competentes do ponto de vista clínico, jurídico e canónico, e ouvidas muitas pessoas, entre as quais vítimas. Agradecemos igualmente a outras pessoas que espontaneamente deram o contributo da própria análise, que será tida em conta na busca de um caminho de superação destas situações, a todos os títulos demasiado dolorosas.

Estudaremos em conjunto este assunto, na certeza de que, quem foi vítima de qualquer tipo de abuso, tem sempre a nossa proximidade e solidariedade, assumindo mais esta forma de pedir desculpa e ajudar a recuperar a dignidade de vida.

 

Sínodo e Sinodalidade

Num momento em que há sinais claros de uma radicalização social, política e até religiosa, que não é exclusivo de Portugal, o processo sinodal que estamos a viver, apesar de parecer não estar na ordem do dia, está num processo de análise e fermentação importante. Este tempo de reflexão ativa envolve as dioceses, as conferências episcopais, grupos de teólogos, canonistas, párocos (estes últimos terão um encontro de representantes em Roma, no mês de abril), associações de fiéis e pessoas singulares, que darão o seu contributo para marcar a agenda da segunda parte da Assembleia Sinodal que terá lugar também em Roma, de 2 a 27 de outubro deste ano.

No que nos diz respeito, até 15 de maio, deverá a Conferência Episcopal Portuguesa pronunciar-se sobre a auscultação nacional quanto ao modo como nos podemos tornar uma Igreja sinodal em missão. Além disso, nas nossas dioceses, o processo sinodal dos dois anos passados não foi em vão. Pelo contrário, o sonho de uma Igreja mais participada, onde todos possam ser corresponsáveis de acordo com os seus ministérios e carismas e todos possam ser acolhidos, escutados e considerados, no respeito pela dignidade fundamental do batismo, é um desejo ardente que contribuirá para uma maior comunhão e um vigor renovado para a missão.

 

Jubileu 2025

Os dias correm velozes em direção a 2025, o ano do Jubileu celebrado sob o lema “Peregrinos de Esperança”. Desde o ano 1300, de forma cíclica, e atualmente de 25 em 25 anos, o mundo recorda que, no tempo predestinado da História, Deus se fez homem em Jesus para ser, para cada um, cura e alento, compreensão e companhia, serenidade, alegria e esperança.

Neste Ano da Oração de preparação para o Jubileu, a Igreja lembra que Deus não é inacessível e que cada um pode contactar com ele simplesmente através da escuta da sua Palavra e da oração. Como diz o Papa Francisco, esta oração representa “a respiração da fé, a sua expressão mais própria, uma espécie de grito silencioso que sai do coração de quem acredita e se entrega a Deus.” É essa ligação pessoal e comunitária com o Espírito de Jesus ressuscitado que guia e dá força transformadora à Igreja, para estar presente na transformação do mundo, com os seus dramas e esperanças.

Além destas temáticas, outros assuntos ocupam a agenda desta Assembleia: a preparação próxima da próxima visita dos bispos diocesanos e auxiliares a Roma, para um encontro com o Papa e os organismos fundamentais da Santa Sé (Visita ad limina Apostolorum); o 5.º Congresso Eucarístico Nacional, que terá lugar em Braga, de 31 de maio a 2 de junho, e no qual contaremos com a grata presença do Cardeal D. José Tolentino de Mendonça enquanto Enviado Especial do Santo Padre; a atividade dos vários organismos da Conferência Episcopal.

Em tudo pedimos que seja o Espírito de Cristo Ressuscitado a nos guiar no discernimento e nas decisões comuns para a renovação da Igreja em Portugal.

† José Ornelas Carvalho
Bispo de Leiria-Fátima
Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa

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