Introdução
Irmãos e irmãs,
Em conjunto com os irmãos no episcopado, saúdo-vos fraternamente no Senhor Jesus, sacerdotes, diáconos, religiosos e religiosas e todos os membros da Igreja em Portugal. Saúdo de modo especial o Senhor Presidente da República, representantes do Governo e de outras entidades nacionais e autárquicas, que quisestes aceitar o convite para esta Eucaristia de memória, ação de graças e sufrágio pelo Papa Francisco, que presidiu à vida da Igreja e influenciou, de forma única, o debate internacional sobre temas comuns, nos últimos doze anos, e que o Senhor chamou deste seu serviço à Igreja e ao mundo, decorrem hoje sete dias.
Esta celebração é uma expressão de dor e saudade, mas igualmente de gratidão, ação de graças a Deus e sobretudo de esperança, pois, celebrando aqui em Fátima, unidos a toda a Igreja, fazemos memória daquilo que vivemos com o Papa Francisco, nestes anos, mas afirmamos igualmente a comunhão que persiste com ele, em Deus, e que se exprime, de modo especial, na celebração da Eucaristia.
Preparemo-nos, pois, para este encontro com Deus, que convoca “todos, todos, todos”, reconhecendo-nos como pecadores e necessitados do perdão do Pai do Céu e da força libertadora e transformadora do seu Espírito.
Homilia
Irmãos e irmãs,
As leituras que foram proclamadas nesta Eucaristia, ambientadas no tempo pascal, do qual nasceu a Igreja, iluminam aquilo que celebramos, na vida, no ministério do Papa Francisco e que pode também iluminar o nosso percurso existencial e a esperança que move o nosso agir e nossos sonhos.
O Evangelho narra-nos o diálogo de Jesus com Nicodemos, um ancião formado na Palavra da Escritura e na tradição religiosa do seu povo. Sente um desassossego pelas palavras e atitudes de Jesus, mas igualmente o fascínio deste jovem Mestre que fala com uma clareza e autoridade inquestionáveis, mas, mais do que isso, assume atitudes e semeia mundos novos que atraem todos os que sonham um mundo melhor para o futuro.
No início deste diálogo na noite fosca e, por vezes, mesmo escura, Jesus começa por dizer que é preciso renascer e que isso é possível, mesmo para um homem maduro e instruído na lei e na tradição; que a fidelidade não está em repetir gestos e ritos, mas em mudar de atitudes com a justificação do “sempre foi assim”. Aos olhos confusos do venerável ancião, Jesus vem dizer que o Deus da criação e da história não é uma múmia preciosamente guardada do passado, mas um Pai poderoso e carinhosamente presente no meio daquilo e daqueles a quem transmite a vida, a capacidade de cocriar com e como Ele e de sonhar mundos novos, guiados pelo mesmo Espírito criador que O anima.
A mentalidade do velho Simeão e o anúncio de modos e mundo novos são, na realidade, dirigidos a todos, especialmente aos seus discípulos. Jesus vem dizer-lhes que acreditar sem renovar constantemente a vida é ser infiel ao Deus em quem se crê, pois Ele é sempre libertador dos laços das escravidões; saciador de multidões famintas; acalentador dos que “têm fome e sede de justiça”; reconciliador e multiplicador da misericórdia do Pai do Céu, que espera e faz festa pelo regresso do filho desencaminhado e que a todos faz perceber que se há verdadeiro futuro é porque o Criador e Pai nos faz sonhar, em cada tempo e lugar, um mundo novo que é oferecido a todos, como oportunidade e desafio.
A infidelidade à fé não é o inovar, guiados pelo Espírito, mas é fechar-se a esse Espírito de vida, anichados no conforto de uma vida cómoda e limitada, sem coragem de chegar às origens de tudo isso, ao Deus criador e à Páscoa de Jesus, que, quando tudo parecia acabado, se levanta do túmulo em que Nicodemos e outros amigos piedosamente o colocaram. Ele ressuscitou e continua a convidar, na força do Espírito que concede: É preciso renascer! Renascer dando nova vida a este mundo em cada momento da história; renascer, mesmo à custa de fazer da vida um dom e uma semente para que não morra, mas germine pela força de Deus e dê fruto de vida nova nesta terra e para sempre.
E isso não é algo apenas anunciado e dito em palavras. É conjugado em verbos, em ações concretas e atitudes renovadas que geram a “alegria do Evangelho”, no coração de homens e mulheres, de qualquer condição, mas especialmente entre aqueles que sentem maior sede de pão, de justiça, de possibilidades de sair da sua pequenez e miséria, para sonhar um mundo novo de humanidade, de paz e verdadeira esperança.
À luz deste diálogo, penso que se pode buscar a inspiração do pensar, falar e agir do Papa Francisco e do seu ministério como sucessor de Pedro na Igreja e no mundo, que se concluiu nesta terra, há sete dias. A sua atitude de viver, imbuída pelo fascínio por Jesus, marcou a Igreja, incomodou mentes agarradas à comodidade do passado, acordou corações sedentos de maior autenticidade, justiça, fraternidade.
A leitura dos Atos dos Apóstolos olha para este percurso de Jesus com os seus discípulos como a semente autêntica do caminho transformador que eles assumem como continuação da missão de Jesus. Iluminados pela Sua palavra, vida, morte e ressurreição, acabaram por aderir ao estilo, ao modelo de sentir e viver o caminho de Jesus. Encontraram enormes dificuldades, superaram dissonâncias e diversidade de interpretar a “tradição de Jesus” nos diversos contextos e desenvolvimentos dos novos discípulos, mas, juntos, foram dando origem à Igreja. Sentem que têm muito que refletir, escutar e discernir em conjunto, mas sentem que Jesus está sempre presente na sua Igreja e os ilumina e recria continuamente pela presença do seu Espírito.
Penso que é à luz desta palavra que entendemos e fazemos memória da vida, missão e esperança, que animaram o Papa Francisco, como continuação e atualização da missão de Jesus, por Ele confiada aos apóstolos e seus sucessores. Duas visitas marcantes delimitam e dão sentido ao seu percurso como sucessor de Pedro na orientação da vida e missão da Igreja: a visita inicial a Lampedusa, o porto de chegada dos migrantes sobreviventes da travessia do mar Mediterrâneo, e, poucos dias antes de morrer, a visita ao cárcere de “Regina Coeli”, que visitara várias vezes durante o seu ministério em Roma.
De facto, desde o início do seu ministério, o Papa Francisco acolheu as periferias da humanidade e manifestou a necessidade de uma Igreja em saída, como “hospital de campanha”, ao encontro dos mais pobres, dos doentes, dos presos dos migrantes e demais marginalizados da sociedade. Propôs também à Igreja um caminho de misericórdia, acolhimento e acompanhamento de todos, porque são amados por Deus independentemente da sua condição, num permanente chamamento à conversão do coração.
Foi ainda um impulsionador do diálogo ecuménico e inter-religioso, apelando à fraternidade humana para superar os muros da intolerância, do medo e do ódio, e incansável nos apelos à construção da paz.
Muito presente no seu ministério pastoral esteve o cuidado com a Casa Comum, alertando diversas vezes para a cultura do descarte e para a exploração desequilibrada dos recursos naturais, provocando com isso graves perturbações ecológicas e desequilíbrios sociais.
Ao serviço desta abertura do diálogo e missão da Igreja com e no mundo, os conceitos de “sínodo” e sinodalidade entram de modo central no modo de conceber o ministério petrino e a liderança na igreja; um modo renovado de ser Igreja, a partir das suas raízes em Cristo e nos apóstolos. A sinodalidade da Igreja, com a necessidade de um caminho conjunto de todos, na diversidade das funções e ministérios e culturas, é, antes de mais, um modo conatural com o “ser Igreja”, no acolhimento de todos a partir dos mais frágeis e como profecia missionária de um mundo que busca caminhos de paz e de fraternidade, no cuidado dos mais frágeis e na atenção à Mãe Terra”, para que possa ser “casa comum da humanidade”.
Muitos outros temas da agenda do Papa Francisco continuarão a desafiar a Igreja, como o combate aos abusos sexuais contra crianças e adultos vulneráveis, e os abusos de poder e consciência, o papel das mulheres na Igreja, a autoridade e o serviço, na Igreja e no mundo…
A ligação do Papa Francisco a Portugal será sempre lembrada pela sua peregrinação a Fátima no Centenário das Aparições, quando canonizou os pastorinhos Francisco e Jacinta Marto, e pela sua mais longa visita ao nosso país aquando da inesquecível Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023.
Aqui em Fátima, olhando para a capelinha das aparições disse algo que ficará a ser indicação e desfio para este santuário. Dizia o Santo Padre, que quis ser aqui peregrino durante a Jornada Mundial da Juventude de 2023, que a arquitetura que protege a pequena capela espelha aquilo que pensa da Igreja: uma arquitetura que tem colunas e teto para acolher e que não tem muros nem portas para que todos nela possam ser acolhidos e encontrar lugar: “todos, todos, todos” … porque é a “casa da Mãe”.
Caro irmão-amigo e Papa Francisco,
Obrigado pelo teu percurso de vida que nos deixas,
tão rico, inspirador e desafiador,
a começar pela “Alegria do Evangelho”, que pregaste e testemunhaste.
Obrigado pela tua palavra e gestos de Igreja renovada e missionária
junto dos mais pobres e desfavorecidos.
Respondeste à derradeira chamada de Jesus na manhã do dia a seguir à ressurreição,
quando os apóstolos e demais discípulos começavam a imitar o Senhor
de modo novo a partir da Sua morte e ressurreição.
Também tu foste um homem novo a partir da Páscoa do Senhor.
De junto do Bom Pastor, continua a orar por esta Igreja que busca caminhos mais evangélicos e missionários.
Intercede diante do Senhor pelos teus irmãos cardeais que estão a escolher quem vai continuar a missão que desempenhaste de modo tão transparente de Evangelho.
Que Maria, a Mãe da Igreja, à sombra de cuja basílica em Roma quiseste que o teu corpo repousasse, ajude a Igreja a ser sempre Mãe carinhosa, que leve Cristo a este mundo.
Amem.