210.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa: Palavras de Abertura do Presidente

1. Senhor Núncio Apostólico, Senhores Cardeais, Arcebispos, Bispos, convidados da CIRP (Conferência dos Religiosos em Portugal) e da CNISP (Conferência Nacional dos Institutos Seculares em Portugal). A todos saúdo e dou as boas-vindas à 210.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa. Saúdo, igualmente, com estima, os profissionais dos órgãos de comunicação social que nos acompanham no início dos trabalhos.

Uma saudação muito especial é dirigida ao D. Fernando Maio de Paiva, que foi ordenado Bispo e iniciou o seu ministério na Diocese de Beja a 07-07-2024. Uma idêntica saudação amiga é destinada a D. Nuno Isidro Nunes Cordeiro e a D. Alexandre Coutinho Lopes de Brito Palma, ordenados a 21-07-2024 como Bispos Auxiliares do Patriarcado de Lisboa. Damos graças ao Senhor, Bom Pastor, por estes três novos irmãos no Episcopado, ao serviço do Povo de Deus na Igreja em Portugal e damos, também aos três, calorosas e fraternas boas-vindas à Assembleia Plenária dos Bispos, em que participam, pela primeira vez, de pleno direito. Sejam muito, muito Bem Vindos!

De salientar, no período desde a última assembleia geral da CEP, a realização do 5.º Congresso Eucarístico Nacional em Braga, de 31 de maio a 2 de junho de 2024, presidido pelo Cardeal D. José Tolentino de Mendonça como delegado do Papa Francisco. Agradeço fraternamente ao Senhor Arcebispo de Braga, D. José Cordeiro, aos bispos que partilham com ele o serviço pastoral e a toda a Diocese, o esforço de preparação e a ampla participação nesta renovada manifestação da dimensão eucarística da Igreja em Portugal.

 

Visita “Ad Limina

2. Esta é a primeira Assembleia que tem lugar depois da visita “Ad Limina”, onde fomos ao encontro do Papa Francisco e dos diferentes organismos da Cúria Romana para analisarmos, em ambiente de acolhimento, compreensão e liberdade, a situação da Igreja em Portugal, no contexto do percurso atual de toda a Igreja, em espírito de renovação sinodal.

O ambiente acolhedor e fraterno, a capacidade de escutar, dialogar e propor, e a própria diversidade de interlocutores, onde se nota um significativo incremento de leigos e sobretudo de leigas, foram expressão de tempos de transformação que o caminho sinodal vem produzindo a todos os níveis da Igreja.

Entre os mais diversos assuntos que foram abordados, sentimo-nos confirmados no caminho que temos vindo a percorrer, mas também desafiados pelo Santo Padre e os diversos dicastérios que com ele colaboram, nomeadamente no que aos jovens diz respeito. Foi nota comum nestes encontros a expressão de apreço e alegria pelo desenrolar da JMJ de 2023 em Lisboa, pela sua organização e pelo clima de festa, universalidade e fraternidade gerado entre os jovens, sinal de esperança para a Igreja e para o mundo. Mas fica, para todos, o desafio e o compromisso de não se perder o dinamismo vivido e anunciado, em Lisboa, em 2023.

As dioceses portuguesas têm procurado manter viva esta chama. O encontro realizado em Lisboa, em outubro deste ano, a nível nacional, é sinal do esforço comum de envolver e contar com os jovens. É nesse sentido que analisaremos, nesta Assembleia, um projeto que pretende contar com os próprios jovens nesta dinâmica de participação e esperança.

 

O drama da guerra e os desafios sociais

3. Outra das interpelações que nos foi deixada pelo Papa Francisco na visita Ad Limina prende-se com os desafios que a sociedade apresenta à missão da Igreja no meio do mundo. A Igreja não vive para si própria, vive num mundo com enormes desafios ao qual não pode ser indiferente.

Na Ucrânia, em Gaza e no Líbano, bem como em tantas outras geografias do mundo, como o Iémen, o Sudão e muitos outros, sucedem-se conflitos que nos comovem com o seu séquito de miséria, fome, doença e destruição, que conduzem à perda dramática de vidas humanas, especialmente anciãos, mulheres e crianças indefesas e inocentes, que constituem a maioria das vítimas deste desvario.

Por outro lado, os ataques ao equilíbrio ecológico levam à intensificação da frequência e da força destruidora dos desastres naturais, atingindo níveis que fazem temer a irreversibilidade dos danos.

Perante este quadro assustador, a comunidade internacional parece cada vez mais frágil e incapaz de deter as armas e interesses corporativos, para encontrar solução para os conflitos e para o negacionismo cego da situação crítica da Terra. A frequência e dramaticidade deste séquito de morte parece ter deixado de nos emocionar, revoltar e exigir justiça e esforços reais de paz e humanismo, incapazes de dizer “Basta!”

Escutámos os apelos do Papa Francisco e a sua insistência no diálogo e encontro entre as partes em conflito, unindo-nos à sua oração e às suas ações no terreno de promoção da paz. Concretamente, a CEP tem estado em contato com a Conferência Episcopal de Moçambique, na delicada situação que o país atravessa, com ataques às populações e os protestos após as eleições, unindo-nos aos apelos dos Bispos desta nação irmã, para que se encontrem soluções que afirmem a justiça e a verdade da democracia. Temos estado também em contato com a Conferência Episcopal de Espanha, solidários com a dor da tremenda tempestade que assolou Valência e a região circundante, acompanhando com a nossa oração as vítimas e as famílias enlutadas.

A situação desastrosa que se vive em Gaza merece especial atenção e solidariedade. Continuamos a afirmar a necessidade da libertação de todos os reféns e o respeito pelas populações que estão a ser tratadas em transgressão de todos os princípios e acordos internacionais, bem como dos valores da mais elementar humanidade, causando dezenas de milhares de mortos e um número muito maior de feridos, sendo 70% destas vítimas mulheres e crianças. Pode-se ser um ser humano e esquecer esta brutalidade? Nesta Assembleia teremos também em cima da mesa o estudo de modos concretos para ir ao encontro de quem tanto está a sofrer.

Em Portugal, os últimos meses acentuaram a polarização política, imprópria para regimes democráticos e que parece esquecer as conquistas que mudaram o rumo da História de Portugal, há 50 anos. O equilíbrio parlamentar só tem sentido se for agente da dignificação da política e as mulheres e homens que ocupam cadeiras de poder não podem defraudar as cidadãs e os cidadãos que os elegeram para contribuir para o bem de todos, a dignidade de cada vida e a afirmação de projetos que são garantia de um futuro melhor para toda a sociedade.

 

Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis

4. Uma especial realidade que tem marcado os últimos tempos da Igreja em Portugal continua a ser a Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis. Temos consciência de que a realidade dos abusos sexuais e os dramas das vítimas que causaram não deixou indiferente nem a Igreja nem a sociedade. Há um caminho percorrido, marcado por etapas progressivas, desde a criação das Comissões Diocesanas, passando pelo trabalho da Comissão Independente, a Equipa de Coordenação Nacional e, agora, do Grupo VITA, onde se inclui o trabalho da prevenção, com diversas iniciativas de formações locais e dirigidas a grupos específicos.

O processo de atribuição de compensações financeiras é, também, uma parte deste caminho que estamos a prosseguir, procurando ir ao encontro pessoal de cada uma das vítimas.  Sabendo que ninguém pode pagar ou anular os dramas do passado, queremos que este seja um passo importante para o reconhecimento do mal que lhes foi infligido e de pedido de perdão, que contribuam para sarar feridas e afirmar a dignidade, contra a qual nunca alguém devia ter atentado. Esta Assembleia voltará ainda a este assunto, para dar seguimento ao trabalho em curso, completando os processos previstos, para ir o mais possível ao encontro daqueles que se têm apresentado para este gesto.

A questão dos abusos sexuais cometidos no seio da Igreja não pode, não deve e não terá uma volta atrás. Precisamos de manter a atenção constante ao sofrimento das vítimas e a firmeza na formação e na prevenção, bem como na clareza e determinação no tratamento de eventuais casos futuros.

 

Sínodo: um caminho de renovação nas comunidades

5. Gostaria de deixar uma palavra sobre a segunda Sessão da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, em Roma, onde estive no último mês, com D. Virgílio Nascimento Antunes, bispo de Coimbra, eleitos por esta Assembleia, a que se juntou o Cardeal Américo Aguiar, por convite do Papa Francisco.

Este foi um passo determinante de um percurso sinodal, que teve início há três anos; nunca tamanho processo de escuta e participação tivera lugar na Igreja. Além disso, este Sínodo tem novidades que não cabe agora referir, mas queria apenas chamar a atenção para três aspetos que são particularmente importantes:

a) Os Membros do Sínodo dos Bispos, com direito a voto, não foram apenas Bispos. Parece uma contradição, mas não o é: os Bispos não perderam o seu papel nos processos de decisão da Igreja, mas não decidem sozinhos, antes reúnem-se com a variedade de padres, leigos e leigas, consagrados e consagradas, para que o processo de discernimento seja enriquecido pela variedade daqueles que constituem a Igreja, pela sua condição de batizados. Este princípio é uma das mensagens e orientações que deve produzir mudanças de mentalidade, em todo o tecido eclesial, sobretudo nas estruturas de decisão.

b) As decisões do Sínodo foram entregues ao Papa. Normalmente, o Papa recebia-as e posteriormente dirigia uma “Instrução Sinodal” à Igreja. Neste Sínodo, depois de ter sido votado o Documento final, ponto a ponto, por toda a Assembleia, o Papa recebeu-o, aprovou-o, e mandou-o à Igreja, para que, pelo seu acolhimento, continue o processo sinodal, pois, se este documento não transformar a Igreja, não serve de nada.

c) Não foram tratados temas fraturantes como a questão da possível ordenação de homens casados, ou de mulheres diáconos ou presbíteros. O sínodo considerou que, no que diz respeito a estes temas e a muitos outros já se avançou com orientações muito importantes. No entanto, concluiu também que algumas destas questões têm de ser aprofundadas e discutidas, antes de serem apresentadas para decisão. Por isso se criaram 10 grupos de estudos para questões deste e de outro tipo, que têm um tempo definido para apresentar o seu trabalho (25 de junho de 2025).

Este Sínodo só será inútil se não receber a atenção que merece, pela leitura atenta e o conhecimento por parte da Igreja. A CEP, nomeadamente através da Equipa Sinodal que foi constituída, estará também empenhada nesta leitura e no processo de transformação que ela pode e deve produzir na Igreja, colaborando diretamente com as pessoas de contacto nas Dioceses.

 

A caminho do Jubileu da Esperança

6. É neste contexto sinodal que a Igreja se prepara para celebrar o Jubileu de 2025 tendo como tema “Peregrinos de Esperança”. O jubileu católico é sempre a memória particularmente atualizada da vinda de Jesus ao mundo, a partir da qual se estabeleceu a contagem dos anos, hoje de referência universal na datação dos eventos. A cadência de 25 anos tem a intenção de permitir que cada geração tenha a oportunidade de celebrar este evento determinante na história da humanidade.

Mas, perante a situação sombria da humanidade a que acima fiz referência, há motivos e é possível celebrar a “esperança”? Da perspetiva que anima os cristãos, não só existem motivos e possibilidades, mas há sobretudo necessidade e urgência de esperança como fundamento da criação de futuro. Os profetas de esperança e de mundos novos não surgem normalmente em tempos fáceis abastados e pacíficos, mas sobretudo em situações sombrias, difíceis, injustas e de grande sofrimento. Mas foram eles que reagiram à dor, à injustiça, ao sofrimento e ao desânimo, pagando, com suor e sangue, a coragem de sonhar mundos novos de liberdade, fraternidade e paz. Pensemos, além dos profetas bíblicos, nos inúmeros mártires da Igreja, recentes e do passado. Pensemos também em figuras de alcance humano, como Luther King, Mahatma Gandi, Nelson Mandela… nos capitães de Abril.

No Jubileu, os cristãos celebram Jesus, Aquele que foi o homem da esperança, para além de tudo o que parecia lógico esperar, assumindo os dramas de todos, incluindo a injustiça, a dor e a morte, na certeza do poder criador e do amor salvador do Pai do Céu. Ele passou pela morte, mas está vivo e continua a dar vida e a chamar homens e mulheres que vivam e sintam, como Ele, a urgência de sonhar e construir uma história nova, livre do ódio, da injustiça, da guerra e da miséria, com prioridade aos mais frágeis e excluídos, para que todos possam ter esperança e colaborar na criação desse mundo de coração novo que se alarga até aos horizontes da vida plena em Deus. É esse o sentido da celebração do Ano Santo e da esperança ativa que ele quer despertar.

Como dom e caminho para uma Igreja Sinodal e para a celebração do Jubileu, o Papa Francisco dirigiu à Igreja uma Carta Encíclica, convidando à redescoberta do Coração de Jesus como modelo de identificação e projeto de transformação, a partir do coração renovado: “O Coração de Cristo é êxtase, é saída, é dom, é encontro. Nele tornamo-nos capazes de nos relacionarmos uns com os outros de forma saudável e feliz, e de construir neste mundo o Reino de amor e de justiça. O nosso coração unido ao de Cristo é capaz deste milagre social” (Francisco, Carta Encíclica Dilexit Nos, 28).

Que esta Carta Encíclica possa guiar-nos sinodalmente na celebração do Jubileu 2025 e no caminho transformador para uma Igreja sinodal, misericordiosa e missionária.

Fátima, 11 de novembro de 2024

+ José Ornelas Carvalho, Bispo de Leiria-Fátima e Presidente da CEP

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