O lema das JMJ 2023 que decorrerão em Lisboa, reunindo jovens de todo o mundo, é uma passagem do Evangelho de São Lucas: «Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1,39). Parece uma afirmação simples, de compreensão imediata, mas a verdade é que quanto mais aceitamos refletir e rezar sobre ela, mais facetas descobrimos e maior é a intensidade do seu impacto espiritual em nós.
Perguntas em busca de resposta
Quando olhamos com atenção para a decisão que Maria tomou de levantar-se e meter-se a caminho para alcançar a casa de Zacarias e Isabel apercebemo-nos que esta tem o seu quê de enigmático. A comprovar este caráter intrigante está, por exemplo, o facto de até Isabel se mostrar surpreendida quando a vê chegar: «A que devo eu que a mãe do meu Senhor me venha visitar?» (v.43). Mas também o leitor do Evangelho se pode perguntar porque é que Maria se levantou e partiu tão apressadamente. Que motivos a conduziram a esta ação?
Situando-nos no texto bíblico há uma série de hipóteses que podemos colocar, mas também descartar[1]. Primeira: Será que Maria se sente de alguma maneira em perigo depois do que lhe havia sido revelado pelo Anjo e, com esta viagem, estará em busca de distanciamento ou à procura de um refúgio? Resposta: Ela tinha a seu lado José que a poderia proteger. Se fosse esse o caso ativaria certamente essa proteção. Segunda hipótese: Será que ela foi informada que a sua parente Isabel não tinha mais ninguém que a pudesse auxiliar, naquela ocasião particularmente sensível para uma mulher? Resposta: Não é isso que sugere o relato do Evangelho de Lucas quando nos refere a presença, em torno a Isabel e Zacarias, de «vizinhos e parentes» que se alegraram com o nascimento de João Batista (v.58) e que poderiam lhe valer naquela situação. Terceira hipótese: Será que o motivo da viagem de Maria foi ainda assim a oferta generosa dos seus préstimos de cuidado a Isabel no período em que esta estava para ser mãe? Resposta: Se esta razão utilitária tivesse sido a razão dominante, porque é que se demorou junto dela apenas uns três meses (v.56) e partiu de regresso a Nazaré antes do parto acontecer? Além disso, o Evangelho não relata nenhuma ação desse género, mas faz apenas memória das palavras que Maria e Isabel trocaram entre si.
Para adensar o mistério, Maria aparentemente parte sozinha para aquela povoação da Judeia quando a forma habitual de viajar no tempo era em grupo ou caravana. E Maria tem pela frente mais de 120 Kms de caminho, cerca de três ou quatro dias de viagem a pé! Além disso ela toma o caminho das montanhas, que era de facto um dos caminhos possíveis de ligação entre a Galileia e a Judeia, mas era menos frequentado e mais difícil que aquele plano que costeava a linha do rio Jordão. São tudo perguntas para as quais não temos uma resposta imediata. Uma coisa é certa, os elementos oferecidos pelo texto evangélico fazem-nos perceber que para Maria se tratava de uma decisão importante, que ela não quis adiar. Mas o que é que está verdadeiramente em jogo na sua decisão?
No princípio está o «sim»
Recordemos que a frase que nos informa que «Maria se levantou e partiu apressadamente» (Lc 1,39) surge imediatamente a seguir à cena da Anunciação (Lc 1,26-38), e que esta se conclui com o assentimento dado por Maria ao plano de Deus: «Eis a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a vossa palavra». Este sim livre e comprometido determina a partir de agora a sua existência. Tudo o que se sucede daqui para diante pede para ser lido à luz deste sim gravado como prioridade no coração de Maria. Podemos, por isso, dizer que no princípio da sua decisão está este grande sim.
De facto, o v.39 ao qual pertence o lema das JMJ começa deste modo: «Uns dias depois, Maria levantou-se…». Esta fórmula adverbial, «uns dias depois», não é muito exata quanto à indicação do tempo em que a ação se realiza, mas é indiscutivelmente precisa na ligação que estabelece dos episódios entre si (cf. outros exemplos em Lc 2,1; 4,2; 5,35; 6,12; 9,36). Quer dizer, para o evangelista São Lucas é fundamental passar ao leitor a informação de que o episódio da anunciação e o da visitação têm uma forte correlação interna que é preciso colher. Na verdade, quando Maria responde ao mensageiro divino dizendo «eis a serva do Senhor, cumpra-se em mim segundo a vossa palavra» (v.38) ela está a afirmar que a sua vida está colocada nas mãos de Deus e ao serviço de Deus. E esta sua resposta recorda-nos duas coisas: que a História da Salvação interpela de forma concreta a vida de cada membro do Povo de Deus e que a nossa adesão a essa História é dada no real da vida, implicando-nos aí, «e não numa ontologia abstrata»[2] e impessoal.
Porque é que Maria se levanta e parte? A razão – temos de o reconhecer – não é apenas externa, mas interna. Deus entrou na sua vida. Maria é transformada pela visita de Deus. E a consciência do impacto do amor de Deus, experimentado numa forma vital, não a deixa mais parada, nem a autoriza a ser apenas espectadora do curso dos acontecimentos. Um dos biblistas que comentam esta página, Joseph A. Fitzmyer, não tem dúvidas: «o que se pretende indicar [com a viagem apressada de Maria] é a sua reação ao que o mensageiro celeste acaba de lhe comunicar»[3]. O acolhimento do dom de Deus que lhe foi comunicado mexe com a sua vida, altera a sua rotina, sugere-lhe que vá além. O sim de Maria é dinâmico. A sua partida é assim consequência de uma experiência de amor e de fé conscientemente iniciadas. A viagem constitui uma forma clara e comprometida de resposta. E «exprime a sua pronta obediência» a se responsabilizar com o acontecer da Palavra do Senhor.[4]
Testemunhar com os próprios olhos o acontecer de Deus
Uma aproximação textual importante que nos ajuda a compreender a iniciativa de Maria é aquela da cena dos pastores, no capítulo 2 do Evangelho de São Lucas. Recordemos essa passagem e notemos o paralelo flagrante com a nossa:
«E o anjo disse [aos pastores]: Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo: na cidade de David, nasceu hoje para vós o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos servirá de sinal: Achareis o menino envolto em panos, e deitado numa manjedoura. […] E aconteceu que, quando os anjos se afastaram para os céus, os pastores disseram uns aos outros: Vamos, pois, até Belém, e vejamos isso que aconteceu, e que o Senhor nos fez saber. E foram apressadamente, e acharam Maria, e José, e o menino deitado na manjedoura». (Lc 2,10-12.15-16)
Quando Maria interrogou o anjo, «como se fará isto, visto que não conheço homem algum?» (Lc 1,34), este não só a elucidou sobre a modalidade da gestação de Deus no seu seio, «descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra» (v.35) mas, tal como no anúncio aos pastores, lhe referiu um sinal, que era uma garantia das suas palavras: «Isabel, tua prima, concebeu um filho em sua velhice; e é este o sexto mês para aquela que era chamada estéril. Porque a Deus nada é impossível». (vv.36-37)
Podemos notar várias semelhanças entre os dois textos: 1) Tanto Maria como os pastores recebem uma boa-nova dos mensageiros celestes; 2) Tanto a Maria como aos pastores é referido um sinal que funciona como uma garantia e um penhor; 3) Tanto Maria como os pastores se dirigem apressadamente para verem com os seus próprios olhos esse sinal que mostra como a ação salvadora de Deus se está já a manifestar na história.
A concluir, perguntemo-nos então: o que faz mover Maria? O que a leva, na sua situação, a levantar-se e a partir apressadamente? A resposta é: Maria quer confirmar a experiência da sua fé; Maria tem fome e sede de ver com os seus olhos; quer tocar a condição tangível e histórica dessa verdade que lhe foi anunciada e que a coenvolve. Por isso, a pressa de Maria não deve ser entendida simplesmente em sentido físico: é dentro de si, no seu coração que Maria tem pressa, que Maria vibra na expectativa de Deus. A sua pressa é «uma disposição interior, um estado de espírito»[5], o vivo desejo de contemplar alguma coisa que ocupa agora o centro do seu coração. Maria quer ser testemunha. Ela tem a pretensão – que é, no fundo, aquela de todo o coração crente – de verificar que os sonhos de Deus não se dissipam no nada como bolas de sabão no tempo, mas transformam efetivamente a vida, rasgando-a a uma esperança maior do que ela própria. É assim que, pouco mais adiante no texto evangélico, vamos assistir à explosão de alegria e louvor de Maria, magnificando a Deus. Ela vê por si mesma que é verdade que Deus atua na nossa história, e diz: «A minha alma glorifica o Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador; porque pôs os olhos na humildade da sua serva» (Lc 1,46-48).
Mediadoras do protagonismo de Jesus na história
No episódio da Visitação, Maria «recebe de Deus o sinal prometido»[6], mas o sinal vai muito para lá da mera constatação de que Isabel está grávida. Não só a gravidez da parente de Maria é um facto, mas, à sua chegada, o próprio João Batista salta de alegria no seio mãe. Vejamos o relato bíblico:
«Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou-lhe de alegria no seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Então, erguendo a voz, exclamou: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? Pois, logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio. Feliz de ti que acreditaste, que se cumpriria tudo o que te foi dito da parte do Senhor.» (Lc 1, 41-45)
A chegada de Maria e a sua saudação provocam o sobressalto do menino no seio de Isabel. O sentido simbólico da movimentação dos fetos nas barrigas das mães são conhecidos na tradição bíblica. Entre as cenas desse tipo, uma das mais singulares é certamente a dos gémeos Esaú e Jacob que, lutando no seio de Rebeca, prefiguravam já a rivalidade posterior em que haveriam de viver (Gen 25,22-23). Devemos procurar também um significado simbólico e profético para o sobressalto do menino nas entranhas de Isabel. Esse exprime, como que em antecipação, o envolvimento futuro do Batista na missão de Jesus. Pelas palavras de Isabel pode-se perceber que aquele é um verdadeiro sobressalto de alegria. Nada menos que a alegria de se encontrar diante de Jesus, presente já no seio de Maria. De facto, a alegria espelha «a reação do ser humano diante da ação salvífica de Deus que se realiza em particular com o nascimento de Jesus (Lc 2,10)»[7]. Nesse sentido, a alegria de João Batista será a alegria de todo o povo, será a nossa alegria perante o Messias.
Um comentário muito interessante é aquele que Santo Ambrósio faz deste momento. Escreve ele: «Isabel escutou a voz em primeiro lugar, mas João foi o primeiro a experimentar a graça: ela escutou na ordem da natureza, este exultou pelo efeito do mistério; ela apercebeu-se da vinda de Maria, este da vinda do Senhor»[8]. É absolutamente verdade: não chegaremos ao âmago teológico e espiritual deste texto se não concordarmos que o fulcro de «toda a cena se funda na presença de Jesus em Maria».[9] Não é por acaso que Isabel lhe chama «a mãe do meu Senhor». Porque no encontro de ambas, Jesus é o protagonista e elas oferecem a sua vida, até as suas entranhas, como mediação histórica desse protagonismo. Por isso Maria e Isabel surgem como intérpretes comprometidas com o evento messiânico, com a centralidade salvadora de Jesus que, recorde-se, não é uma coisa do passado, mas é a boa nova para hoje, para as mulheres e os homens deste nosso tempo. É a razão da nossa esperança.
Levantamo-nos e partimos, porque Deus veio ao nosso encontro
Quando, no Domingo de Ramos de 1986 se celebravam as primeiras Jornadas Mundiais da Juventude, o Papa São João Paulo II explicava desta maneira o seu significado: «não ficaram desiludidos aqueles que na entrada de Jesus em Jerusalém haviam gritado: “Hossana ao Filho de David! Bendito aquele que vem em Nome do Senhor”… No entardecer de Sexta-feira santa tudo parecia testemunhar a vitória do pecado e da morte, todavia três dias depois falou mais alto a “pedra retirada do sepulcro”. E não ficaram desiludidos. Todas as expectativas do Ser Humano foram completamente superadas. E por isso celebramos neste dia a Jornada da Juventude. […] Não ficaram desiludidos aqueles que na entrada de Jesus em Jerusalém haviam gritado: “Hossana ao Filho de David! Bendito aquele que vem em Nome do Senhor”. Sim. Ele vem. Deus entrou na história humana. Em Jesus Cristo Deus entrou de modo definitivo na história do homem. Vós, jovens, deveis encontrá-Lo em primeiro lugar. Deveis encontrá-Lo constantemente»[10]. Isso mesmo também recordou o Papa Francisco aos jovens nas suas primeiras JMJ, no Rio de Janeiro: «Jesus foi quem veio primeiro para junto de nós e não nos deu somente um pouco de Si, mas se deu por inteiro, Ele deu a sua vida para nos salvar e mostrar o amor e a misericórdia de Deus»[11]. E voltou a insistir nas JMJ do Panamá: «Jesus revela o agora de Deus, que vem ao nosso encontro para nos chamar, também a nós, a tomar parte no seu agora»[12].
Com Maria, aprendemos que se nos levantamos e partimos é porque primeiro Deus vem ao nosso encontro. Por muito que isso nos pareça surpreendente, Ele entra na nossa história. O contacto com o Seu amor incondicional, a Boa Nova desse amor é a experiência que deve preceder tudo. Por isso, as JMJ não são apenas uma das maiores concentrações humanas e juvenis do planeta, com tudo o que isso representa em termos de super-organização. As JMJ devem, e muito particular nestes anos de preparação, fazer chegar a cada jovem a Boa Notícia de que ela, de que ele foram encontrados por Jesus e que isso faz a diferença. Como aconteceu com os primeiros discípulos, à beira do lago. Como aconteceu por exemplo, com aquele jovem chamado Natanael, que espantado por Jesus mostrar já conhecê-lo lhe pergunta: «De onde me conheces tu?». E Jesus esclareceu: «Antes que Filipe te chamasse, eu já te tinha visto» (Jo 1,48). Vêm-me ao pensamento aqueles versos de Sophia de Mello Breyner Andresen: «caminho como quem/ É olhado, amado e conhecido/ E por isso em cada gesto ponho/ Solenidade e risco». Ser visto, ser conhecido, ser amado por Jesus dá-nos a capacidade de arriscar fazer da vida uma teofania, uma manifestação de Deus.
Não é fácil ser jovem hoje. No documento final do ainda recente Sínodo dos Bispos sobre os Jovens (outubro de 2018), o diagnóstico que surge dá que pensar[13]: os jovens têm o desejo profundo de ser ouvidos, reconhecidos, acompanhados, mas muitos sentem por experiência que a sua voz não é considerada; por vezes predomina a tendência a oferecer aos jovens respostas pré-fabricadas e receitas prontas, sem deixar sobressair as perguntas juvenis na sua novidade, nem entender a sua provocação; cresce a incerteza quanto ao futuro e os grandes problemas das sociedades contemporâneas configuram-se como uma ameaça que se tornará sempre mais pesada se estas não aceitarem uma conversão dos seus modelos: pense-se nas mutações climáticas e na emergência ecológica; o tempo atual navega numa indefinição acerca do bem comum, do valor sagrado da vida e de um projeto social capaz de englobar a todos; é impossível não ver as consequências da ditadura da indiferença e do descarte que subrepticiamente marca as transações sociais, onde ninguém tem tempo para ninguém; amplia-se o desenraizamento familiar, cultural e religioso experimentado com maior gravidade entre os jovens; avoluma-se no horizonte o impacto sempre maior da inteligência artificial a condicionar os comportamentos humanos; é sempre mais visível a ambiguidade da web e das redes sociais que constituem uma extraordinária via de acesso à informação e ao conhecimento, tal como de encontro e intercâmbio entre as pessoas, mas que são também um território de solidão e manipulação, que afasta os jovens do contacto com a realidade concreta, impedindo frequentemente o desenvolvimento de relações interpessoais autênticas; torna-se gritante o drama do desemprego, do emprego precário e da emigração que afeta hoje tantos jovens; há uma distorção dos valores éticos numa cultura como a hodierna que, em tantos âmbitos, deixou de colocar no seu centro uma visão integral da pessoa humana; dissemina-se a falta de razões de esperança e de sentido e os jovens sentem-se não raro perdidos num mundo líquido, sem pontos de referência, um mundo em derrapagem que tem como programa a satisfação imediata, em vez de ajudar a construir uma felicidade duradoura; os jovens hoje olham com receio e inquietação um presente histórico que parece não ter grande lugar para eles.
Ora, é a este mundo juvenil concreto que é preciso anunciar o quanto ele é amado por Deus. Que Deus tem como projeto nada menos que a sua felicidade, a sua realização plena. Que Deus faz dos jovens protagonistas da história. As JMJ constituem, portanto, uma extraordinária oportunidade para acender o Evangelho nos corações. O Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, recordou o primeiro encontro que teve com o Papa Francisco, depois da convocação das Jornadas Mundiais da Juventude para Lisboa, durante o qual perguntou: «O que é que o Santo Padre quer mais precisamente para as jornadas de Lisboa?». E o Papa, soletrando, devagarinho, disse: «E-van-ge-li-za-ção»[14]. Seja esta uma intensa estação de Evangelização.
As JMJ são um sinal
As JMJ não são o princípio (esse é, acabamos de ver, a iniciativa que Deus tem de amar-nos na pessoa de Jesus), nem são a finalidade (esse é, veremos, o protagonismo de Jesus na história). Mas tal como os pastores em relação ao presépio o fizeram, e Maria em relação à gravidez de Isabel o realizou, as JMJ funcionam como um sinal. E a verdade é que nós precisamos de sinais, pois eles confirmam e consolidam a nossa fé, dão ânimo ao nosso caminho de esperança, inspiram o nosso compromisso de amor. D. Joaquim Mendes, falando sobre as Jornadas de Lisboa, referiu-se a elas como «um grande sinal para o mundo de esperança na juventude»[15]. Maria levantou-se e partiu para contemplar e fazer parte do sinal que dava evidência à atuação de Deus na história. E é um desejo semelhante, uma fome de tocar e de ser um sinal que levará jovens de todo o mundo a Lisboa.
Recordo, por exemplo, os testemunhos que li de jovens portugueses acerca do sinal que para eles constituíram as JMJ do Panamá. O testemunho do Joaquim Goes: «Éramos todos diferentes – eu nunca tinha estado, por exemplo, com pessoas da Guatemala ou de El Salvador, países que nós ouvimos falar, mas que nem sabemos bem a realidade que lá se vive –, mas todas essas diferenças, ali, se desvaneciam para vivermos juntos aquele momento. O Papa fez questão de lembrar isso: nós somos muitos diferentes, de origens e culturas diferentes, mas ali éramos todos iguais, não havia diferenças perante Cristo. Perante Deus, não há diferenças»[16]. O testemunho da Rita Rito: «Andava numa fase de busca dos meus alicerces e daquilo que queria para a minha vida. A JMJ ajudou a confirmar que queria Deus»[17]. O testemunho da Margarida Patrocínio: «Precisamos de um abanão de fé. Precisamos de seguir mais a Cristo».[18]
Mas como é que as JMJ podem ser um sinal? Certamente não à maneira do enésimo festival da juventude, nem situando-se numa lógica de um mega-acontecimento pontual que deixa tudo como está. Penso que a única forma fecunda de as JMJ serem um sinal profético é atualizando no coração dos jovens a consciência de que eles próprios são um sinal. Como afirma o Concílio Vaticano II, «a Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano» (L.G., 1). E como explica o Catecismo da Igreja Católica, «incorporado em Cristo pelo Batismo, o batizado é configurado com Cristo» (n. 1272) e participa «no sacerdócio de Cristo, na sua missão profética e real» (n.1268). Os jovens são o verdadeiro sinal. E todos juntos sinalizam a força do Evangelho, uma esperança que o mundo não pode ignorar.
É fundamental que as JMJ recordem e avivem em cada jovem cristão a sua condição de sinal. Não podemos ser cristãos de bancada ou de sofá. Isso em que insiste o Papa na Exortação Apostólica «Christus vivit»: «Jovens, não renuncieis ao melhor da vossa juventude, não fiqueis a observar a vida da sacada. Não confundais a felicidade com um sofá nem passeis toda a vossa vida diante dum ecrã… Não aceiteis viver com a alma anestesiada, nem olheis o mundo como se fôsseis turistas. Fazei-vos ouvir! Lançai fora os medos que vos paralisam, para não vos tornardes jovens mumificados. Vivei! Entregai-vos ao melhor da vida!» (n.143).
Hoje, na paisagem do mundo, os jovens cristãos são chamados a ser um sinal, a representar a condição de uma pergunta, a serem sal e fermento na massa, credíveis sentinelas da aurora.
Comprometidos com o protagonismo de Jesus na história
Quando Maria se levanta e parte o que é que descobre? Descobre a beleza do protagonismo de Deus na história. Como lhe diz Isabel, ela é de facto feliz porque acreditou. Maria relê toda a sua história e a história do seu povo como uma história de salvação, onde é possível detetar a cada momento a fidelidade de Deus. E, por isso, Maria pode cantar no seu cântico de louvor a desfatalização da história que Deus opera através do Seu Filho. Temos razões para crer. Temos razões para cantar.
Maria ajuda-nos, no fundo, a ver como em cada um de nós confluem todas as promessas de Deus, todos os sonhos, todas as misericórdias. E como somos herdeiros e transmissores da vida divina. Como é fundamental que, acolhendo o exemplo de Maria, os jovens se comprometam com o protagonismo de Jesus na história, que é a alavanca e o motor da esperança.
Que isso em grande parte já acontece prova-o o sonho das JMJ de 2023, em Lisboa. Gostei muito de ouvir D. Manuel Clemente descrevê-lo assim: «estas jornadas em Lisboa devem-se, sobretudo, ao movimento grande dos jovens católicos de Portugal, que, de várias maneiras, de há uns anos a esta parte, têm pedido que haja um acontecimento assim em Portugal»[19]. As JMJ já estão em marcha porque existe esse radioso compromisso em milhares de jovens. A tarefa é agora reforçar o compromisso e organizar o empenho, é mobilizar para dar corpo a este sonho. Que cada jovem se assuma como um incansável missionário de Jesus junto de todos, especialmente junto dos outros jovens; que todos os ambientes juvenis (família, amigos, escola e universidade, trabalho, realidades de vida cristã, vida social…) sejam alcançados pela boa-nova; que o entusiasmo se torne efetivo e transbordante.
Que a urgência que apressou o passo de Maria deflagre também em nós como uma alegria que cresce e que já nada pode travar.
Termino esta catequese com palavras do comentário de Santo Ambrósio à cena da Visitação, donde provém o lema que nos guiará até Lisboa. Santo Ambrósio escrevia: «Vede bem que Maria não duvidou… e por isso obteve o fruto da sua fé. Feliz és tu porque acreditaste. Mas felizes sereis também vós se tendo ouvido, acreditardes. Pois cada alma que acredita, concebe e gera o Verbo de Deus»[20].
É essa agora a nossa tarefa.
Card. José Tolentino de Mendonça
Catequese proferida na Igreja de Santo António dos Portugueses à delegação portuguesa que se deslocou a Roma para receber das mãos do Santo Padre os símbolos das JMJ
– Roma, 21 de novembro 2020
[1] Cf. Blaise Hospodar, «Meta Spoudes in Lk.1:39» in Catholic Biblical Quarterly 18 (1956), 14.
[2] François Bovon, El Evangelio Segun San Lucas, Lc 1-9, I (Salamanca: Sigueme, 1995), 116.
[3] Joseph A. Fitzmyer, El Evangelio segun Lucas, II (Madrid: Cristiandad: 1986), 143.
[4] Gérard Rossé, Il vangelo di Luca (Roma: Città Nuova, 1992), 65.
[5] P.-E. Jacquemin, «La Visitation» in Assemblées du Seigneur 8 (1972),68.
[6] Heinz Schürmann, Il Vangelo di Luca (Brescia: Paideia, 1983) 166.
[7] Santiago Grasso, Luca (Roma: Borla, 1999) 76.
[8] Sant’Ambrogio, Esposizione del Vangelo secondo Luca (Roma: Città Nuova, 1978), 23.
[9] Augustin George, Études sur l’oeuvre de Luc (Paris: Gabalda, 1978), 441.
[10] http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/it/homilies/1986/documents/hf_jp-ii_hom_19860323_domenica-palme.html
[11] http://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2013/documents/papa-francesco_20130728_celebrazione-xxviii-gmg.html
[12] http://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2019/documents/papa-francesco_20190127_omelia-gmg-panama.html
[13] http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20181027_doc-final-instrumentum-xvassemblea-giovani_po.html
[14] http://www.vozdaverdade.org/mobile/link1.php?id=8284
[15] https://agencia.ecclesia.pt/portal/portugal-tema-da-jornada-mundial-da-juventude-e-um-grande-desafio-para-os-jovens-evangelizadores/
[16] http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?cont_=ver2&id=7955
[17] http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?cont_=ver2&id=7895
[18] Precisamos de um abanão de fé. Precisamos de seguir mais a Cristo.
[19] https://www.alvorada.pt/novo/index.php/2-igreja/341-lisboa-acolhe-jornadas-mundiais-da-juventude-em-2022-cardeal-patriarca-considera-uma-excelente-noticia
[20] Sant’Ambrogio, Esposizione del Vangelo secondo Luca (Roma: Città Nuova, 1978), 26.