Conferência Episcopal Portuguesa – Mensagem de Ano Novo para 2024

Construtores da Paz

O início de um novo ano é sempre uma oportunidade para avaliar e para recomeçar. Iluminados pelo Natal de Jesus, é tempo de dar graças a Deus pelo ano que passou, avaliar o que foi feito e perspetivar, com esperança, o ano que agora começa. Neste primeiro de janeiro de 2024, data em que a Igreja celebra o 57.º Dia Mundial da Paz, à luz da mensagem do Papa sobre “a inteligência artificial e a paz”, as minhas primeiras palavras dirigem-se, precisamente, para esse desejo que pulsa no coração do Homem: a paz.

Há quase dois anos, juntando-se a tantas outras confrontações bélicas disseminadas pelo mundo, vimos eclodir a guerra na agressão à Ucrânia e, em outubro deste ano, o brutal conflito armado na Terra Santa. O passar do tempo e a normalização das imagens cruentas que nos chegam diariamente através das televisões e das redes sociais não nos podem anestesiar. Esta é uma situação dramática, pungente e dolorosa, à qual não nos podemos habituar nem resignar. É necessário ultrapassar a crise e a dor com coragem e esperança.  O grito da esperança é, antes de mais, um grito de revolta e inconformismo perante aquilo que se passa e as consequências sociais, económicas e ecológicas que provoca.

O Papa Francisco tem afirmado, insistentemente, que a guerra é uma derrota para todos. Será possível que 2024 nos traga a paz? Esperamos que sim. E esperamos ativamente atentos, a começar pela atitude de oração. A oração é, antes de mais, escuta atenta de Deus e do seu projeto de paz, de fraternidade para todos os seus filhos e filhas desavindos e fratricidas nesta terra. Rezar leva a inserir-se, de coração e atitudes, nessa busca da paz, que brota da vinda de Jesus à nossa terra, que celebrámos no Natal.

Há que rezar e sonhar a paz, viver a paz no coração e nas nossas relações, anunciar e lutar fraternamente pela paz!

 

Situação política e social do país

No contexto do nosso país, o ano de 2023 foi abundante em crises políticas, sociais e económicas, que afetaram profundamente a nossa sociedade, criando instabilidade e tensão e levando à queda do Governo, o que nos coloca, em 2024, num cenário de eleições legislativas antecipadas, a somar aos escrutínios já previstos para o Parlamento Europeu e para a Região Autónoma dos Açores. Os indicadores são especialmente preocupantes nos setores da saúde, da educação, da habitação e do custo de vida, com subidas muito significativas que vão agravar a situação de uma grande percentagem de famílias, já fragilizadas pelas crises que se vão acumulando.

Ninguém deve excluir-se do processo de escolha daqueles que julga mais capazes de administrar os recursos que são sempre escassos, em prol do bem comum, para garantir a igualdade de oportunidades e os direitos constitucionalmente consagrados. No ano em que se comemora o 50.º aniversário da Revolução de 25 de Abril de 1974, não podemos esquecer todos os que estiveram na primeira linha do combate pela democracia, grande parte deles motivados pela sua fé e pelo desejo de colaborar num mundo melhor.

O agravamento das condições de vida das famílias e a dificuldade de acesso a bens essenciais alimentam a falta de esperança. É urgente uma solidariedade nacional e um compromisso claro dos partidos políticos. As eleições que se aproximam exigem propostas assertivas e conteúdos programáticos compreensíveis para que se possa, a nível nacional, discutir projetos e apresentar soluções. Só assim os cidadãos podem ser levados a optar pela adesão a projetos concretos e não a votar pela raiva ou desilusão ou, pior ainda, a não votar.

 

Na Igreja em Portugal: proteção de menores, JMJ Lisboa 2023 e Sínodo

Na Igreja em Portugal, 2023 foi o ano em que trouxemos luz nova à realidade dos abusos de menores no seio da Igreja Católica no nosso país. O trabalho desenvolvido pelas Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e sua Equipa de Coordenação Nacional, pela Comissão Independente e, recentemente, pelo Grupo VITA são o rosto do compromisso que assumimos para acolher as vítimas e contribuir para a reparação das suas vidas, procurando atuar, cada vez mais, na área da prevenção e formação de pessoas, de forma que os ambientes eclesiais sejam espaços cada vez mais seguros para todas as crianças.

2023 foi também o ano que lançou sementes de esperança com a realização da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023. Foi notável a mobilização dos jovens portugueses que se empenharam, não apenas num evento de dimensões únicas e necessariamente breve no tempo, mas num compromisso com a Igreja, de forma a torná-la mais inclusiva, mais dialogante e mais participante no mundo. A Igreja conta com os jovens, mas os jovens também disseram que querem contar com Jesus nas suas vidas e querem anunciá-lo ao mundo, querem ser ouvidos e ter lugar na Igreja. Neste período pós-JMJ é preciso continuar a escutá-los e, numa perspetiva sinodal, dar-lhes protagonismo para que sejam agentes da renovação eclesial no seio das suas comunidades.

O caminho sinodal está em curso e desafia-nos a caminhar juntos, a saber escutar, a ter a capacidade de dialogar de forma construtiva. Depois da expressão do diálogo e da comunhão manifestados em outubro, em Roma, revelando uma Igreja plural mas que consegue unir-se em torno do essencial que é Jesus e o seu projeto, o tempo agora é para as nossas comunidades mostrarem, também elas, que estão vivas e querem ser o rosto da revolução da esperança.

Tendo por diante, em 2024, a participação ativa na dinâmica sinodal, tenhamos a franqueza de saber construir a paz ouvindo todos os que são seguidores do mesmo Cristo e a humildade para não rejeitar qualquer posição ou pretensão só por ser de quem pensa diferente. O amanhã melhor e em paz, na Igreja e no mundo, constrói-se com todos, todos, todos!

 

Vida nova num Ano Novo

Dentro de dias faremos memória do momento em que três sábios, totalmente alheios à fé de Israel e às suas tradições, se aproximam de um bebé chamado Jesus. Os três magos sentiram uma força misteriosa que nunca tinham sentido e que os atraiu até Belém. Aí, descendo dos seus camelos e do alto do seu curriculum científico, ajoelharam-se e adoraram Deus naquele Menino.

Sei que falo para muitos crentes, mas também para muitos não crentes. Quando o homem não adora a Deus acaba por adorar-se a si mesmo. Temos de reaprender a contar com a força bondosa e incansável de Deus.

Com razão, diz o Papa Francisco: “quando adoramos permitimos a Jesus que nos cure e transforme com o seu amor”. Só assim haverá vida nova num Ano Novo, esperança nova para conflitos antigos e uma alegria nova para os corações exaustos e desesperados.

O Jubileu de 2025 com o tema “Peregrinos de Esperança”, que nos preparamos para celebrar, poderá, como afirma o Papa Francisco, “reforçar e exprimir o caminho comum que a Igreja é chamada a empreender para ser, cada vez mais e melhor, sinal e instrumento de unidade na harmonia das diversidades”.

A todos vós, às vossas famílias e comunidades, desejo um feliz Novo Ano, repleto das bênçãos de Deus e vivido com alegria na Esperança da Paz!

Lisboa, 29 de dezembro de 2023.

+ José Ornelas Carvalho,
Bispo de Leiria-Fátima e Presidente da CEP

 

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